O Público

O Público foi a minha primeira casa. Foi o jornal que escolhi para estagiar. Lutei muito para lá chegar porque era lá, e apenas lá, que ambicionava trabalhar. Os textos mais bem escritos, excelentes reportagens, ótimos jornalistas, tinha resmas de jornais guardados, resmas de reportagens arquivadas por temas, artigos de opinião, crónicas, tudo. Era o meu jornal antes de lá chegar. Transformou-se na minha casa quando lá entrei pela primeira vez, sem saber quase nada de jornalismo, cheia de medo daquela gente que lia e admirava todos os dias.
 
Não terei saido de lá uma jornalista completa, mas aprendi muita coisa. A mais importante talvez tenha sido que os amigos que fazes no Público ficam no Público. Isto pode não fazer sentido, lido literalmente, mas a questão é que nunca deixei de me sentir parte da casa, nem nunca me fizeram sentir de outra forma.
 
Fui para outro jornal, trabalhei lá de corpo e alma e sabe-se lá mais o quê, mas durante muito tempo era duro subir aquelas escadas das instalações antigas para visitar os amigos, por causa da angústia de profissionalmente não poder ali estar. Aprendi muito na minha outra casa. Foi nela que me fiz jornalista. Mas o Público foi sempre o lugar onde quis voltar.
 
Entretanto passei pelo encerramento de um jornal. Todos despedidos. Não é bonito ver um jornal inteiro de rostos soturnos e cheios de lágrimas. Entre as fotografias de todos, o Público escolheu o meu olhar de desalento como fotografia de capa do dia seguinte. Não foi por nada, foi porque aquele era a melhor foto, porque o Público é assim.
 
Hoje, quando percebi que estavam a despedir colegas com quem ainda ontem estive a trabalhar, colegas que na semana passada andaram a carregar o meu computador por causa do meu problema nas costas, colegas que estão no Público desde a sua fundação, percebi que o Público ainda é (era?) a minha casa. Não foi comigo, mas doeu. Muito.
 
São só mais 46 desempregados no meio de tantos? Só mais uns jornalistas sem emprego, no meio dos muitos que já o perderam ou correm o risco de perder? Não, porque estes são um bocadinho meus, um bocadinho de mim. Não consegui apenas engolir em seco, mas isso foi por causa deles, dos que vão para a rua, dos que ficam a ver os outros arrumar gavetas e a dizer adeus, do "e agora o que vai ser deles, disto, de nós, será que um dia chega a nossa vez? que vai ficar a pairar no ar". Porque sei o que é ficar sem chão e não gosto de ver ninguém assim.
 
E não, não se fazem jornais sem jornalistas, por mais contas e orçamentos que se façam. Muito menos se fazem jornais sem jornalistas com memória. Nesse caso não serão jornais nem jornalismo, já será outra coisa qualquer.
 
O blogue vai sofrer transformações já semi-anunciadas, mas tendo em conta que a mudança de visual ainda não se concretizou e algo de grave aconteceu, continuemos com o caos de assuntos que se têm misturado por aqui.
 

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