Não há sabonetes na escola

Chego à escola à hora do costume. O miúdo, como de costume, está no recreio a jogar a bola. O recreio é de cimento, irregular, não percebo por que motivo os parques infantis têm de ter um piso especial para as crianças não se magoarem e os recreios das escolas podem ter um qualquer. Para o efeito não interessa muito e a verdade é que o pai da criança já caiu num parque infantil (coisas da vida) e ficou todo esmurrado. Contas feitas, não há pisos à prova de miúdos, e, como disse, para o caso não importa.

Desta vez o miúdo não chora ao ver-me chegar porque "ainda agora acabei de fazer os deveres, tinha mesmo começado a brincar" (mãe que tenta não se atrasar para ir buscar o filho sofre). Mostra-se conformado com a ideia de ir para casa, talvez por ter decidido não fazer os deveres no ATL "porque eram poucos".

Está com a cara com manchas castanhas, da mistura do suor e da sujidade das mãos que andaram a jogar à bola e a esfregar-se no chão durante a aula de educação física. As mãos estão pretas, quase que dá para lhe tirar a impressão digital. Vai lavar as mãos. Ele começa a dirigir-se ao centro do recreio. Onde vais? "Vou lavar as mãos". Não, vais lá dentro lavar as mãos bem lavadas com sabonete. "Não há sabonete na escola", responde-me, com a assertividade e indignação de quem acha que eu devia saber disso há muito tempo. Realmente devia. Não há sabonete na escola? Olho em volta, acenam-me que sim, que é verdade. Também não há toalhas, toalhetes ou o que quer que seja onde se possam limpar ou secar. Não há sabonete na escola? 

Não consigo sair daquilo. Fiquei bloqueada. Não há sabonete na escola. Os meninos vão almoçar e limitam-se a passar as mãos por água, se é que o fazem? Fazem cocó e passam as mãos por água? Sem sabonete? E eu nunca me apercebi disto. Se não me apercebi talvez seja porque não faz assim tanto mal. Eu até sou adepta de que ele se suje todo na terra e nunca fui obcecada com bactérias e afins. Mas não ter sabonete/gel para lavar as mãos? Numa escola do Porto? Em 2015? Quanto mais penso nisso menos faz sentido. 

Não era suposto a escola pública ser promotora da igualdade? Não era suposto que dessa igualdade fizesse parte o ensino de algumas coisas que alguns meninos não aprendem em casa? Não é suposto a higiene ser uma regra básica em qualquer parte do mundo civilizado? 

Quase que aposto que existe uma razão para não haver sabonete na escola. Quanto mais não seja, uma razão para explicar a quem possa colocar a questão. Não há dinheiro para ele, os meninos brincavam com o sabonete em vez de o usarem para limpar as mãos, os sabonetes desapareciam, quem tem competência para isso já prometeu há séculos instalar um dispensador de gel... Imagino uma série de justificações e nenhuma me convence. Os meninos daquela escola andam há um ano, ou mais, a lavar as mãos sem as lavar. 

Antes não havia sabonetes, no tempo dos meus avós e pais nem sapatos havia e sobreviveram todos, bem, os que conseguiram. Há coisas piores, o melhor é fazer queixa, talvez o mais aconselhável seja ignorar, andar para a frente, analisar se isso é mesmo um problema. Estou já em fase de delírio sobre possíveis respostas. Na verdade não espero nenhumas. Quer esteja calada quer aborde o problema. Só precisava que o mundo soubesse que sim, seja lá por que motivo for, há pelo menos uma escola pública onde não há sabonetes. No Porto. Em 2015.  

1 comentário:

  1. Boa tarde. Não há uma escola pública no país sem sabonete. Há várias. Sem sabonete, sem papel higiénico, sem funcionários, sem sombras ou locais para os meninos se abrigarem da chuva, sem paciência dos professores, and so on, and so on...

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