50 quilos e coisas da sorte

A minha médica de família diz que peso 50 quilos. Ela não, a balança. A mulher até voltou a calibrar o aparelho de propósito porque eu não acreditava, dizia que era impossível.  Ela olhava para mim e achava que sim. Em todo o caso, acertou a balança, mandou-me subir outra vez. 50 quilos.

Continuo a achar que não é verdade. Tenho a certeza de que, se me pesar noutra balança, peso mais. Sei que estou mais magra, até posso admitir estar magra, mas nunca na vida devo ter pesado 50 quilos.

Talvez tivesse pesado isso quando era criança, e menos do que isso quando era bebé, mas lembro-me de ser bem pequena e andar a comer umas sopas/papas e a tomar uns comprimidos para emagrecer receitados pelo pediatra. Aquilo marcou-me para o resto da vida. Não teve efeitos nenhuns. A não ser fazer-me sentir diferente, para pior. 

Se tinha de comer aquilo e, ainda por cima, tomar comprimidos, sendo tão nova, algo estava errado comigo. Numa mais me livrei do rótulo e do peso que pus em mim própria por causa disso. Ainda hoje não estou totalmente recuperada, como se constatou pela incredibilidade perante várias pesagens na balança. 

Já mais velha, lembro-me de ter feito umas dietas parvas (cortar com tudo o que fosse doce, depois com os hidratos de carbono e por aí adiante até chegar ao ponto de a regra ser apenas ingerir vegetais ou fruta, exceções para um peixinho grelhado com legumes e para os almoços de domingo em casa da avó ou dias de festa). As dietas parvas encontrei-as em revistas femininas. Depois ainda me pus a fazer ginástica e aparelhos de musculação, o que não teria mal nenhum se o fizesse por prazer e para me manter saudável e em vez de ser um sacrifício para ficar mais magra. Porque, supostamente, mais magra, ou magra, era melhor. 

Eu, que nem era assim tão gorda - vejo agora pelas fotografias - meti na cabeça que era uma baleia e não queria ser, porque ser baleia era mau. As baleias (as gordas) não têm namorados porque nenhum rapaz quer namorar com uma baleia (gorda). As gordas são feias. Era o que eu achava. Parva. 

Com as dietas malucas e o exercício o menos que pesei foram 58 quilos. Estava bastante bem, com aqueles 58 quilos. Não tinha barriga. Tinha umas coxas jeitosas, um rabo também. Não me sentia magra, que era o que eu queria ser, mas sentia-me melhor. 

Depois fui engordando e emagrecendo, sempre sem fugir muito dos 58 quilos (quando emagrecia, entenda-se, porque numa das fases em que engordei cheguei aos 80 e ao tamanho 44/46). Já tive muita vergonha disto. Agora não. Estes 50 quilos, se é que são verdade, aconteceram porque tiveram de acontecer, não porque acordei um dia determinada a chegar aos 50 quilos. 

Aconteceu muita coisa que me tirou apetite e que aparentemente me deixou de vez sem ataques de gula, nomeadamente por chocolates e doces (fiquei assim depois do meu filho nascer). Tenho algum cuidado porque me sinto bem assim (mais magra), mas como de tudo - batatas fritas, pizzas, massas, bifes, pão com manteiga, tudo. Emagreci a sério na única vez em que não me pus a fazer dieta para emagrecer. Não deixa de ser irónico. Uma vida a tentar e acontece (em boa hora, é verdade) quando está longe de ser uma prioridade. 

É também uma lição. Por muito que nos esforcemos, as coisas às vezes não acontecem quando queremos. Acontecem quando tem de ser. Não adianta, por isso, desesperar, exasperar, sofrer, ficar de coração apertado. Quando tiver de ser, é. Para o bem e para o mal. Sendo certo que, como dizia o meu avô, para ter sorte é preciso muito trabalho. 

Trabalhemos, pois, até chegar(em) o(s) dia(s) de sorte. Que podem ser quando menos esperamos. E que até podem ser o que menos esperamos. Às vezes uma frase do filho e/ou a atenção/cuidado do marido basta para perceber que toda a nossa sorte até está mesmo ali ao nosso lado, todos os dias..      

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