Paciente, persistente, insistente, o tom foi de incentivo e firmeza. Para cima, para baixo juntinho, chega ao fim da linha e voltinha - é assim que se faz um "i" minúsculo manuscrito. Nem eu sabia. Sabia fazê-lo, mas não descrever como se fazia. Eram os trabalhos de casa para o fim de semana, é a primeira letra a aprender, ele começou a fazer e não sabiam bem, percebi como tinha de descrever o processo para sair tudo certo, os últimos já ficaram direitinhos. Na data, fui intransigente: os números não ficam encavalitados uns em cima dos outros, é ao lado. Está mal, não é assim, apaga, faz outra vez. "Nunca vou conseguir". Isso é expressão proibida, não quero que digas isso, quero que digas "vou tentar". Ele tentou. Uma e outra vez. E mais outra. Foi o mais difícil, explicar-lhe que os números se começam a escrever ao lado do anterior, e não por cima. Ficava tudo encavalitado, deixou de ficar. Desconfio que vai voltar a ficar, se lhe pedir para fazer outra vez. Mas com o tempo muda.
Nunca quis ser professora. A minha mãe era, eu achei que não tinha jeito, que não seria feliz com essa profissão, isto quando acreditava que, ao encontrar a minha verdadeira vocação, tinha a satisfação e realização pessoal e profissional garantida. Podia ter escolhido outras profissões, ajeitava-me em várias áreas, da ciência às humanidades, mas os números cansavam-me, preferi desistir da arquitetura. Julgo que apenas se a tivesse seguido saberia se também a sentiria como vocação. A que escolhi sim, senti-a assim. Mas garantia de realização de tudo e mais alguma coisa não é, como nenhuma é, julgo eu. Quanto a lecionar, a julgar pelas confusões com os concursos (que já há uns 20 ou 30 anos angustiavam a minha mãe), não me parece que pudesse ter feito de mim alguém mais feliz, mas afinal tenho jeito. Ou então tenho jeito para ser mãe a ajudar a fazer os trabalhos de casa. Para já, o meu maior medo caiu por terra, é quase sempre assim, o que nos aflige por antecipação nem chega bem a acontecer, por norma até acontece outra coisa que não prevíamos e que (talvez precisamente por isso) dá bem mais trabalho a resolver e a pacificar-nos.
Para cima, desce apertadinho, curva, pintinha. Perdi a conta às vezes, mas detetei as dificuldades e, enquanto ele desenhava a letra já sem indicações (aquilo deve ter-lhe ficado a martelar na cabeça, a determinado ponto não foi preciso dizer mais), preparei os trabalhos de casa para segunda-feira. Se não os trouxer da escola, faz os que eu já defini. Se trouxer, pode ser que faça os dois. Não quero que ele seja nenhum génio, nem sou nenhuma doida preocupada com as notas que ele vai ter daqui a 12 anos, o que mais me preocupa é que ele seja feliz, mas ele é desatento e trapalhão por preguiça, precisa de, nos bocadinhos em que é mesmo preciso, ter a cabeça concentrada no que está a fazer. Pelo caos que encontro no ATL não vou ter ali ajuda nenhuma, preciso de ser eu a fazer também o trabalho de casa. O tempo parece-me sempre pouco, nunca chega, mas há-de ficar um bocadinho elástico, com o tempo chego lá.
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