Ele percebeu que eu queria umas sapatilhas novas, apesar das dicas que fui deixando na Internet sobre umas jóias muito giras que ando a namorar. Gosto de desconfiar que ele passou na loja e estava fechada. Se calhar estou enganada. Mas umas sapatilhas fazem muito mais falta do que um colar ou um anel e se é de sapatilhas que eu gosto, se é isso que eu uso mesmo e que, de certeza, não deixarei apodrecer no armário, então é isso que eu devo receber pelo aniversário, ainda que seja mais de uma semana antes do chegar aos 37. Fui eu que as escolhi mas não tenho problema nenhum com isso. São um modelo masculino, aliás. As femininas eram demasiado cor-de-rosa, azul bebé e já não havia tamanhos que me servissem. De qualquer modo era a prateleira do outro lado que me seduzia. "Qual é o número mais pequeno que tem?" "Traga, vou experimentar". Amor à primeira vista. Um número acima do meu, mas não se nota, acho eu. E fiquei a saber que o mesmo número dos modelos femininos é maior do que o dos modelos masculinos. Não faz muito sentido, mas deve ser daquelas coisas em que homens e mulheres são diferentes. A mim, tanto me dá, trouxe as sapatilhas de que gostava e há um ano seria incapaz de comprar ou receber qualquer coisa que não fosse preta ou cinzenta ou lisa, o que significa que algo importante mudou em mim. Não é fútil falar nisto, pelo simples facto de que o que mudou em mim foi por dentro. Descontraí-me. Isso é importante para quem está sempre tensa. Despreocupei-me com o que podem pensar. Isso é importante para quem se preocupa com isso. Segui os meus instintos, escolhi o que gosto e não o que pode ser mais fácil de combinar porque é mais neutro e não sai fora do preto/cinzento/azul marinho da minha zona de conforto. Estas coisas importam. Não são mudanças de visual. São mudanças interiores. Se a podia fazer sem umas sapatilhas? Podia, mas desde a adolescência que nos afirmamos pelo que vestimos. Em todo o caso, não foi por isso que o fiz. foi porque quis, não tenho mais nada a explicar.
O mais bonito disto tudo é que a minha verdadeira prenda de aniversário é o jardim que sempre quis. Só não tem baloiços porque já não tenho idade para isso. Ou talvez tenha. Mas não deu tempo para esse detalhe. Tem o jardim, que é o que eu queria. Foi-se o matagal, tenho um jardim com relva (não te iludas, hei de conseguir tirar dali as ervas daninhas, ou pelo menos não vou desistir para já), e flores, e hei-de ter árvores. E, porque o meu filho decidiu, vou ter uma festa de anos para inaugurar o jardim. Quem nunca teve um e sempre o quis tem de ceder. Eu nem queria grandes festas. Mas temos um jardim para apresentar ao mundo, para celebrar. Foi feito à custa do nosso suor. Sobretudo do suor de quem ainda me quis oferecer as sapatilhas. Eu vi o trabalho todo, também dei cabo de mim a cavar e a plantar, ainda que ele achasse que fiz tudo da maneira mais difícil e menos prática. Fiz como soube, até não poder fazer mais. Todas as segundas-feiras o corpo acusava o cansaço e a cabeça começava a desenhar o que seria preciso fazer no fim de semana seguinte. Agora temos de fazer a festa.
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