No dia em que o 25 de Abril de 1974 fez 40 anos plantei uma camélia. Quando acordei (e acordei bastante cedo) já um supermercado me tinha enviado uma mensagem a avisar sobre uma promoção com um trocadilho parolo sobre as comemorações da Revolução dos Cravos. E ainda ofereciam um livro por cada criança. Obrigadinha, não quero, tenho de plantar uma camélia.
Não fui à Avenida, nem à Praça, nem andei com cravos vermelhos na mão neste 25 de Abril de 2014, 40 anos depois daquele que mudou o país, ainda que o país esteja agora a mudar para pior. Chama-se Liberdade, a camélia. É lamechas, eu sei. Mas daqui a 10, 20 ou 40 anos vou saber onde estava e o que fiz no 25A/40. Mais importante, o meu filho também.
Passamos o dia à chuva (chuva a sério, não era chuvinha), a cavar, a carregar terra, a tentar relvar, a queimar erva (literalmente), a sujar, a limpar. Um jardim não se faz sozinho. Que hoje é o dia da liberdade ele já sabia. "Tenho o livro, do senhor Pina, não tenho, mãe?" Antes os meninos e as meninas não andavam na mesma escola, tinham um muro a separar - é disso que ele se lembra, foi isso que ele fixou.
Eu sei que é aborrecido andar o dia todo de volta da terra, mas quando o jardim estiver pronto vamos dar-lhe mais valor porque fomos nós que o fizemos. O valor do trabalho foi a lição do 25 de Abril de 2014, agora dorme.
Na noite seguinte contei-lhe outra história, com as mesmas personagens (a minhoca, o caracol, o grilo, a galinha e mais uns quantos animais), que descrevia aproximadamente os acontecimentos daquele dia (pinturas dentro de casa, plantações cá fora, porque entretanto apareceram várias companheiras para a camélia, é o que dá plantar uma árvore). Dois dias seguidos com o mesmo tipo de relato, ele ri-se e percebe: "Ó mãe, eu sei que me estás a contar histórias que são verdade". Pois estou.
Um dia explico-lhe que, para o dia da Liberdade chegar, também deu muito trabalho. Que evitar que ela fuja dá ainda mais. E também não se faz num dia. Por agora, o dia 25 de Abril de 2014 é o primeiro dia do resto da vida do nosso jardim e das nossas vidas. Os cravos vermelhos trago-os ao peito todos os dias (mas se os arranjar para os por no jardim também os planto).
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