A Crise - adenda

O meu filho amarfanha uma folha, irritado porque não tenho uma caixa para ele fazer um fogetão. Digo-lhe que depois vai querer folhas para pintar e não há. Compramos... Se houver dinheiro para isso, respondo. "Já sei", diz ele, "podemos ir comprar dinheiro ao euromilhões". Três anos. A visão de uma geração que cresce no meio da crise. Tenho medo pelo futuro dele, mas enquanto não lhe faltar nada, talvez não lhe faça mal (a ele e à geração dele) crescer com a consciência de que não pode ter tudo, de que não há dinheiro para tudo, que andamos em luta para que não nos roubem as nossas vidas, mas que ter muito não é o que importa para sermos felizes. Educá-lo-ia da mesma forma se não estivessemos em crise. E isso é que me irrita e aflige: ouvi-lo a reproduzir o que vai ouvindo na televisão, a falar no que é "mais barato" com a noção de que andamos a apertar muito o cinto cá em casa, senti-lo preocupado. Enquanto isso discutem-se teorias na televisão e nas redes sociais critica-se, no conforto de um sofá, a CGTP, os sindicatos, quem participou na manifestação e os alegados "rebanhos" que tiveram de voltar a casa no fim do discurso de Arménio Carlos, porque tinham os autocarros à espera e umas boas horas de viagem pela frente. Mesmo sabendo que muitas das pessoas que hoje participaram na manifestação no Terreiro do Paço não pertencem a qualquer partido ou sindicato, apenas aproveitaram a boleia da CGTP para protestarem em Lisboa. Porque não aguentam mais. Porque não suportam mais cortes e sacrifícios. Porque estão no limiar do desespero ou já para lá disso. Quem está bem que se deixe estar. Ou que faça alguma coisa para mudar o mundo. Mas que não critique quem anda na rua a lutar por todos os que vivem do seu trabalho.

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