Deixa lá o menino (Olá, eu sou a mãe do João, sete anos depois)

Domingo em família, almoço de chorar (costela assada com batatas assadas e castanhas, e grelos, e bolo de brigadeiro no fim), cadela, sua tola, não corras tanto, não me lambas, larga-me as pernas, João não faças isso, João não é assim que se faz, João isto, João aquilo.

Deixai lá o menino, que só temos este,

Silêncio, por instantes. Pronto: faz, toma, pode ser, sim. Não pode ser sim todos os dias, a todas as horas nem em todas as situações mas o contrário também não. 

Deixai lá o menino... 

E nós, em silêncio, acho que pensámos todos o mesmo; às vezes conseguimos complicar o que é simples. 

Que mal tem ir buscar o escadote que o miúdo está a pedir para ele perceber que não há figos ao alcance dele, mesmo que esteja em cima de uma escada? É bem mais fácil e rápido do que estar constantemente a responder ao pedido insistente dizendo também insistentemente que o escadote não adianta nada porque os figos estão bem mais altos do que isso. Foi remédio santo, dois ou três minutos depois de estar em cima do escadote desceu, foi fazer outra coisa qualquer. 

Horta, arrancar cenouras da terra, apanhar couves, colher nabiças ou arrancá-las também. Não é assim, tens de as partir. "Mas eu só sei assim". É fácil, eu explico-te, olha. Ele não quer olhar, quer fazer. Como não o deixam vai-se embora da horta, de beicinho e tudo. Não gosto de amuos, embora me lembre de ser uma criança que amuava bastante e de os adultos que me rodeavam implicarem bastante com isso. Insisto que não pode ser como ele quer e que é fácil fazer como deve ser feito.

Deixa lá o menino, diz a minha avó. Que mal faz, vai para as galinhas, há aqui muitas (nabiças) e as que grelam já não dão nabo. Nabas - nós, eu e a minha mãe. Ela é que começou: não arranques, que isto quando crescer dá um nabo. Eu repeti, o miúdo fartou-se: "Quero fazer coisas". 

Deixa lá o menino, disse a minha avó. Realmente... Anda cá, arranca como sabes. 

Às vezes complicamos, e não é pouco. Entre as lições que tenho aprendido desde que sou mãe talvez a mais importante seja que a nossa implicância com as crianças é, muitas vezes, proporcional à dimensão das birras delas. Sim, o meu já fez muitas, faz algumas, só por fazer, das feias, das muito feias, daquelas em que chora aos berros (acho que ele nunca soube chorar doutra maneira e dificilmente vai aprender) e se atira para o chão e esperneia. 

Mas aprendi que, às vezes, muitas mais vezes do que imaginaria, contrariar só porque sim é a pior das estratégias. 

À medida que fui conseguindo lidar tranquila com a irritação dele, a irritação e as birras dele foram diminuindo. Será que é porque está mais crescido? Talvez. De qualquer forma, prefiro não arriscar: dar a volta à situação sem entrar em confronto tornou-se no segredo mais bem guardado de uma maternidade muito mais tranquila e reconfortante. 

E não, não acho, nem estou, a criar nenhum tirano nem nenhum menino mal educado. 

Não foram precisos sete anos dele, mas quase.  (Sete?! De repente sete parece imenso. E se calhar é).

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