Deve ter sido do sol, só pode, porque de repente toda a gente começou a falar em arrumações - aqui e aqui, por exemplo - e no "inconseguimento" (créditos à Assunção Esteves) que têm em destralhar. Eu já fui uma pessoa muito organizada, ou arrumada, agora sou muito pouco, ainda que possa não parecer (não faço ideia se pareço ou não, mas ninguém tem comentado, não devo parecer mesmo nada). Enquanto escrevo, percebo que a minha fase mais arrumada correspondeu precisamente à minha fase de maior tralha. Duas mudanças de casa e um filho depois, metade ficou pelo caminho.
Aparentemente, ninguém muda para uma casa mais pequena, mas foi o que eu fiz quando fui viver com o meu marido. Um ano depois, mais coisa menos coisa, fiquei grávida e o que era o meu escritório teve de ser transformado em quarto para a criança. Só foi possível graças a um grande poder de destralhamento e isso só se consegue percebendo que não se pode ter tudo: ou queremos o espaço, ou queremos a tralha. Eu guardava tudo, jornais antigos, alguns inteiros, outros catalogados por temas, separava artigos de opinião de reportagens, dividia as reportagens por áreas, enfim, aquilo nunca mais acabava. Percebi, muitos anos de arquivo depois, que nem com muitas etiquetas e organização ia conseguir encontrar o que queria quando quisesse encontrar alguma coisa naqueles jornais. Fora. Nem sei ao certo o que tinha guardado, nunca lhes senti a falta.
A roupa é um problema eterno, mas a estratégia é a mesma: não visto, não vou precisar, mas vale dar ou vender, só está a ocupar espaço. Durante anos tive amplas oscilações de peso e acumulei inúmeras peças em não sei quantos tamanhos diferentes. Os tamanhos mais pequenos dei-os, quando fiquei grávida do meu filho, achei que nunca mais ia caber neles. Não podia ter-me enganado mais, cinco anos depois estou consideravelmente mais magra. Tanto que, não estando magra, estou a vestir o tamanho de roupa mais pequeno que alguma vez me lembro de vestir. Claro que me sobra roupa no armário. Não me livro dela porque não sei se vou voltar a precisar, a maior parte está nova. Apesar disso, estou hoje muito para lá da fase em que tinha no armário roupa para todos os estilos, do clássico ou desportivo, para poder "variar", como se pudesse ser tudo, em vez de ser só eu. Livrei-me do que não gosto, só tenho aquilo com que me sinto bem, ainda que não seja no tamanho certo, mas nunca estive tão feliz com isso como agora.
As arrumações, essas, chegam-me com os nervos. Quando menos espero, dou por mim a por coisas de lado, a limpar, levo tudo à frente. Na verdade, o que me aconteceu foi que me destralhei das arrumações, deixaram de ser obsessão, não preciso de ser organizada para ser feliz, ver tudo ao monte e deixar-me estar no sofá sem me incomodar, ou sair porta fora sem peso na consciência foi um dos mais importantes trabalhos interiores dos últimos anos.
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