Adeus.



Tenho a casa cheia de balões de festa desde sexta-feira. "Mãe, já não há festa cá em casa", disse-me ele ontem quando chegámos. Pois não, filho. Mãe, não há festa. Pois não. Os balões, mãe, já não estamos em festa, ainda não tiramos os balões. Pois não. Deitamos os foguetes, fizemos a festa e entretanto fomos a um velório e a um funeral, voltamos e estava tudo como ficou, os balões pendurados, a mesa posta, brinquedos desfeitos, prendas por abrir, pedaços de prendas e de brinquedos antigos desaparecidos. Fizemos-te a festa e fomos. O avô morreu, sabes, já tinha 99 anos. "Já morreu?". Já. Mas agora vai para o céu e vai-se transformar numa estrelinha. A campainha começa a tocar, um amigo, dois amigos, três amigos, nem consegui contá-los, seriam para aí uns dez, a minha mãe diz que eram mais. Pareciam mais, é verdade. Malas feitas em cinco segundos, rissóis para o saco, consegui despachar mais de metade do segundo bolo de aniversário para uma festa que prometia, aqui vamos nós. 

Onde foste, mãe. Fui ver o avô. "E estava nas estrelas?". Estava. "E o que disse?". Disse para eu dar os parabéns dos 5 anos ao J. da ponte de Viana. Deitamo-nos os dois de mão dada, acho que foi por isso que adormeci rápido. 

Tinha 99 anos, o avô, morreu. Estamos à espera que acontecesse um dia destes, mas não estávamos preparados, nunca estamos. Não sei se é para a morte, para uma morte por velhice que se esperava a qualquer momento mas para a qual se sabia que não estaríamos nunca preparados. Não sei se é só isso ou a tristeza que vemos nos olhos dos outros, e nos nossos, quando arriscamos olhar-nos ao espelho. Ter uma família grande parece pior, somos muitos, muitos com olhos tristes, quase ninguém chora porque "nesta família os nossos homens são muito frios", tens razão, Liliana. Nós, as mulheres, sim, eu e tu, e a minha mãe, já a tia parece que chora para dentro, de vez em quando vê-se uma lágrima, que medo do que vai por dentro de uma mulher que dedicou a vida à família e ao pai e agora ficou sem ele. Que medo de um coração que não sabe, como os homens da família, deitar tudo cá para fora. 

Foi austero, magnânime, às tantas prepotente, mas generoso, um exemplo de resistência, vai abaixo mas volta, resiste, outra vez abaixo, mas aqui estou eu outra vez, nem que seja para estar para aqui. Trabalhador como nunca vi, acho que foram 70 anos, começou cedo, andou por aí descalço, aprendeu a fazer arcos em tijolo a ver fazer. Resistente, braços para baixo nunca, persistente, trabalhador, ter sorte dá muito trabalho, seus camelos, para fazer o que queremos e lutar contra os que nos atormentam é preciso saber gerir muito bem as coisas. Foste um avô cada vez melhor, cada vez mais doce, e tenho por ti um amor e uma admiração difícil de explicar. E agora saudade. Mas no fim, tudo se resume a teres sido um grande pai do enorme pai que já não tenho e o bisavô ternurento do J. da Ponte de Viana. 

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