No tempo em que tinha tempo, estar sozinha era só solidão

Seis anos de filho (quase sete) e sempre uma sensação de que preciso de mais tempo para mim, para estar sozinha, para não fazer nada, apenas esticar-me no sofá como se não houvesse amanhã, deixar-me dormir o tempo que for, ver séries e filmes, tudo sem pausas, sem interrupções, sem preocupações, sem planos. 

É sempre o mesmo ai, que já são horas de o ir buscar à escola, ai que tenho de ir ao supermercado na pausa do almoço para depois não ter de o levar e atrasar toda a rotina do acaba os trabalhos de casa. Toma banho, "preciso de ajuda neste crucigrama", veste-te enquanto começo o jantar, "ajudas-me a pintar este desenho?", anda lá, despacha-te, apanho roupa, estendo roupa, "podemos pintar estas caixas com tintas?", agora não, vamos sujar tudo, quando tivermos tempo, eu sei que nunca temos tempo, olho outra vez para o jantar, "quantos são 345 mais 229?", sei lá, este rapaz lembra-se de casa conta, ponho a mesa, "posso ver bonecos?", não, desliga isso. 

Levanto a mesa, lavo a loiça, meto mais roupa na máquina, dobro mais roupa, olho para o monte de roupa que tem de ser passado a ferro e viro a cara para ver se a imagem desaparece, numa mistura de desgosto, não quero saber e irritação profunda, no fundo à espera que aquela roupa saia dali para os armários por artes mágicas. Vai lavar os dentes, "porquê?", porque tens de lavar os dentes, anda para a cama, "só mais cinco minutos", deita-te, "quero ir para a tua cama", mas está tanto calor, "mas eu assim não consigo dormir". Pois, e assim quem não vai conseguir dormir sou eu, vais passar a noite a dar-me pontapés, a trepar por cima de mim, a dar-me bofetadas, ao menos adormeço melhor, gosto de ter ali.

Quero sempre todo o tempo livre, para não fazer nada, desde há muito eleito o meu hobby favorito ou para fazer tudo: ir ao cabeleireiro, entrar em lojas para experimentar tudo e não comprar nada, arrumar os livros da escola, arrumar-lhe o quarto, arrumar o meu quarto, arrumar a casa, limpar tudo, deixar tudo em ordem, talvez ler um livro, essencialmente esticar-me no sofá sem me preocupar com nada.

E, de repente, o paraíso está à minha frente e percebo que não é nada disso que quero. Filho e pai de férias fora, eu a trabalhar, chego a casa com todo o tempo do mundo para mim e bloqueio, não faço nada nem consigo ficar sem fazer nada. Sinto saudades, volto ao tempo em que vivia sozinha, sem filho ou marido, e percebo que nunca foi isso que quis. 

Nunca tive bem consciência disso, ou já não pensava nisso há muito tempo, mas estar sozinha não é o meu género. Estar sozinha fazia-me sentir sozinha, não me fazia sentir confortável por ter o meu canto, o meu mundo, o meu tempo. 

Talvez agora apenas precise de que o dia tenha mais umas horas, ou que pelo menos uma hora do dia, talvez um bocadinho mais, seja só minha. Mas isso é nos dias em que tenho de fazer tudo - ir ao supermercado, arrumar as compras, pensar no jantar, no almoço do dia seguinte, no lanche do miúdo, nos recados da escola e na roupa de todos enquanto tento passar por cima do cotão espalhado pela casa, até que me dá um ataque de fúria e começo a limpar tudo. 

Afinal não preciso de tanto quanto pensava. E não é só uma questão maternal. Tenho saudades do meu filho, claro, muitas, mas não é a primeira vez que ele fica fora de casa. Já por mais de uma vez estive sem ele durante quase um mês e não me senti assim. Tinha sempre outra pessoa em casa e aproveitava cada segundo sem companhia como se fosse o meu maior luxo. E era - o meu momento de nada fazer, de me deixar levar sem pensar, de apenas ficar comigo, no meu canto, a recuperar o tempo perdido. 

Pensava que precisava de mais para mim. Mas não. Tenho consciência de ser a que só está bem onde não está, mas isto é mais do que isso: é perceber que, no tempo em que tinha tempo, estar sozinha era só solidão. 

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