Não sei que dia é hoje, mas hoje sou a super mulher

Ainda hoje é quarta e já me parece sexta-feira. Pior do que isso, vou estar a trabalhar no fim de semana e a minha sexta-feira não vai ser sexta, vai ser quarta. Estou, portanto, muito pior do que parece. Já trabalhei 12 e 13 horas por dia mas, quando saía do trabalho (mesmo quando o fiz em casa) não tinha mais nada com que me preocupar. Não há leite? Amanhã compro. Ou depois. Quando der. Não há jantar? Não faz mal, desenrasca-se qualquer coisa (a maior parte das vezes atum e salmão fumado, tanto que cheguei a um ponto de enjoo). Há muita roupa para lavar? Não sei, nem reparei... E, depois, os filhos (o filho, neste caso), tanta roupa minúscula para lavar e passar a ferro, benditas fraldas descartáveis, a criança chora, toca a parar tudo, quero ir à casa de banho, ele não pára, preciso de tomar banho, ele não adormece... Depois tudo melhora mas ainda são precisos os jantares, mesmo que nos baldemos à sopa, mesmo que estejamos tão desesperados que só nos reste forças para uma pizza, e a atenção, e a brincadeira e o dorme, por favor, estamos todos cansados. Trabalhamos 10 horas e nada de sofá, disso sinto falta. Do resto já nem sei, nem me lembro bem, só não vou pelo atum e pelo salmão fumado todos os dias porque ele não gosta e, vá lá, tenho alguma consciência e sei que tenho de lhe dar uma alimentação variada, escusam de chamar já os serviços sociais. A roupa já quase não se passa a ferro, mas no verão é mais difícil, as t-shirts ficam mais à mostra, se estiverem muito engelhadas é capaz de se tornar demasiado óbvio. De resto é preciso aspirar e limpar o pó e arrumar, mas há muito mais vida para além disso. Ninguém vai fazer por mim, eu farei quando tiver disposição para isso (às vezes basta estar irritada ou chateada com alguma coisa, mas tem de ser uma neura específica, se não for essa já não consigo, afasto-me do cotão como se nada estivesse no chão, faço de conta que os móveis não têm pó, que o chão da cozinha não está a ficar nojento). O miúdo continua a deixar os brinquedos e os recortes e os cadernos e as canetas e as cadernetas espalhadas na sala, por mais que o abasteça de caixotes onde seja fácil enfiar tudo sem perder tempo com grandes arrumações. Mas, há umas duas ou três semanas que a tampa de uma das caixas serve de stand de automóveis e que a caixa lá está, vazia, e os brinquedos todos espalhados. Sim, podia ser mais persistente e insistente e resistente e irredutível, mas há mais vida para além disso, não tenho a minha casa como um museu, cada vez me faz mais confusão entrar em casas onde está tudo no sítio certo, onde parece que não vive ninguém. A maior parte das que conheço têm coisas fora do sítio, os mais estranhos objetos guardados nos mais inusitados locais, porque é ali que dá mais jeito, e se a casa é nossa, tem é de ser prática. Claro que, no meio do caos, desaparecem coisas por uns dias ou semanas ou meses. Ainda hoje a super-cola se escondeu sabe-se lá onde. Ninguém pegou nela, ninguém sabe dela, só pode ter sido a própria a pregar-nos uma partida. Por exemplo, tenho (tinha?) um relógio fantástico, insubstituível e com valor afetivo que anda desaparecido quase desde o dia da mudança para esta casa. Isso já foi quase há três anos, o desgraçado nunca mais deu ares da sua graça. Dou muito valor a quem trabalha o dia todo fora de casa e ainda chega a casa com capacidade para trabalhar o resto do tempo todo até se ir deitar, bem tarde, porque o trabalho de casa não é coisa que se despache como os trabalhos de casa da escola. Eu também trabalho quando chego a casa. Às vezes até faço o trabalho de casa ao mesmo tempo que o trabalho do trabalho. Mas para além dos jantares, das loiças e das roupas, não me sobra muito tempo para deixar todo o dia a casa a brilhar com os brinquedos arrumados e os casacos nos armários e os sapatos arrumados e tudo no sítio. Lamento, não sou a super-mulher, tolo de quem nos andou a fazer crer que era possível sermos sem ter empregada ou apoio familiar por perto. Ou melhor: tolo de quem nos fez crer que, não conseguir fazer tudo, sobretudo quando não se tem empregada e apoio familiar por perto, não faz de nós verdadeiras super-mulheres. Que às vezes não sabem bem em que dia da semana estão. Mas isso é porque têm muito em que pensar no turbilhão dos seus super-poderes.

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