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Saudades

De repente, tive saudades dos meus blogs anteriores (já nem me lembro do blog de alguns) e da Rititi, oh se vale a pena ler o mais recente post da Rititi! Ao ler tantas coisas que escrevi enquanto trabalhei a partir de casa, enquanto estive grávida e enquanto o meu filho foi bebé, também fiquei saudosa de uma certa ironia nos meus textos. Era tudo tão caótico que não podia ser doutra maneira. Tenho saudades disso, também.

O piquenique

Uma escola com vista para a montanha e para o céu, em vez de prédios. Com entrada por um portão que pode ficar aberto porque os alunos não fogem, todos os vizinhos se conhecem e os poucos carros que circulam pela rua estreita de paralelo passam devagar. Uma escola com árvores, baloiços e escorrega, espaço para correr e jogar à bola à vontade e umas mesinhas e banquinhos de pedra tão perfeitos que parecem ter sido feitos de origem, à medida, como a mobília que se manda fazer para uma casa nova.

Uma escola primária (uma EB1, como é correto dizer agora) onde os meninos que já andam no 5º ou 6º ano regressam porque têm saudades. Dos amigos, da professora e da escola. Onde um piquenique de fim de ano para os seis alunos se transforma numa mega-festa com mais de 40 pessoas, entre pais, mães, avós, avôs, amigos e mais filhos, genros e netos. Onde os seis alunos deram um espetáculo de música que me emocionou pela forma concentrada e empenhada com que cantaram e tocaram as flautas e o pau de chuva. Seis meninos e mais uns quantos que tomaram conta do meu e tiveram paciência para brincar com ele e jogar com ele à bola quando já era noite.

Não me lembro de alguma vez me ter sentido tão em casa no meio de tanta gente desconhecida. Foi como sempre lá tivesse estado, ou como se tivesse regressado. À escola, ao sotaque que sempre achei que não tinha e que tinha e perdi, à forma desempoeirada, despretenciosa e franca de falar, à ausência de peneiras e de vaidades, ao "venham mais cinco ou mais 10 porque há comida para todos". Fui apenas mais uma mãe no meio de muitas e gostei. De comer sardinhas e febras à mão e de ver os outros fazer o mesmo sem cerimónias.

Já há pouco disto, mesmo nas aldeias. Pessoas simples e genuínas, contentes por estarem juntas. Não ouvi nenhuma mãe criticar outra. Não ouvi nenhuma dizer mal dos filhos dos outros. Não vi sorrisos sonsos ou forçados. Nenhum conflito se gerou por causa da organização das mesas, do caldo verde, da comida. Durante os três anos que o meu filho leva de infantário, não troquei com as mães dos colegas dele metade das palavras que troquei com as mães dos alunos da minha mãe. Somos umas tontas, as mães da cidade, perdidas na correria, nos nossos umbigos, no nosso trabalho, nos nossos problemas, nos nossos filhos, a olhar pouco, muito pouco para o lado.

Já esteve para fechar, aquela escola. Não deixaram, as mães. São só seis. Mas estas mães desta aldeia transmontana são como todas as transmontanas - "de gancho", de luta. E a escola ficou aberta mais um ano. Com seis alunos. Para o ano serão só cinco, porque os meninos crescem. Não é que a aldeia não tenha mais meninos. Mas ali fecharam a sala da pré-primária, onde ainda estão os brinquedos dos meninos que ali cresceram e brincaram até fazerem seis anos. E meninos mais pequenos da aldeia ficaram em casa dos avós, foram com as mães para a cidade ou foram para o jardim de infância da aldeia do lado (como se ali tudo fosse perto). E assim se consegue fazer de conta que não há crianças nas aldeias do interior de Portugal, criando caminho para fechar as portas de uma escola de fazer inveja a muitas, uma escola que podia ser uma casa.

Na verdade eu não sei nada sobre aquela aldeia e aquela escola. Só lá estive de passagem, mas tive uma das melhores noites dos mais recentes anos da minha vida. E por isso terei pena qu a escola feche, que o Estado deixe apodrecer o espaço, que aqueles meninos e meninas tenham de ir para longe, que a professora prefira reformar-se, que o professor de música não possa voltar para aperfeiçoar aqueles toques de flauta. Que a casa da minha mãe deixe de estar cheia de batatas e alfaces e cerejas que se oferecem não por vassalagem, mas por simpatia.

Aos meninos e meninas que espero ver no piquenique do próximo ano eu, que não sei nada, gostava de deixar um recado: aproveitem a vossa aldeia. Se acham que ela não tem nada, desenganem-se, tem muito. Pode não ter mar e hotéis e outras coisas que mostram na televisão para falar de férias. Mas a vossa aldeia tem tudo o que importa: amigos e família.

O que há na cidade é mais fogo de vista do que outra coisa. Nós, os que andamos por lá, acabamos por ficar fartos daquilo - dos carros, da poluição, da falta de árvores e de baloiços (fazem ideia de como é difícil encontrar um parque infantil com baloiços no Porto?), de espaço para correr e brincar.

No momento em que acharem que não têm nada para fazer, leiam um livro. Eu dava tudo para voltar a sentar-me na soleira de uma porta, num jardim ou num terraço a ler um livro sem o barulho de mais nada. Lia "Os Cinco", "Os Sete" e "As gémeas no Colégio de Santa Clara", da Enid Blyton e a coleção "Uma Aventura", da Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Lia muito mais, tanto que já não me lembro de tudo. Mas lembro-me que era bom. 

E no meio disto tudo, meus seis meninos e minhas seis queridas mães, dou por mim a pensar que até podia ter sido professora, que talvez tivesse gostado de ensinar.

OUT OF MY BOX: Os maridos das outras

Os maridos das outras não são melhores do que o meu. Percebo e rio-me da ironia da música do Miguel Araújo todos os dias, compreendo a ideia de que "o galo da vizinha é sempre melhor do que o meu" e sei que nós, mulheres, somos às vezes um bocadinho chatinhas com os nossos homens (prefiro usar este termo porque, sejamos francas, porque é que os homens podem ser homens, maridos e esposos e as mulheres apenas são mulheres ou esposas? um bocadinho machista, não?).

Compreendo a música mas acho que algumas mulheres da minha geração já estão noutra e já não dizem "vês, fulaninho faz a cama, levanta a mesa, apanha a roupa, passa a ferro, e oferece-lhe rosas e isto e aquilo". Agora dizemos que eles são todos iguais: até nos dão uma ajuda e às vezes até fazem muito, mas outras vezes é um tormento levá-los a perceber o que há por fazer, mesmo quando as coisas (a loiça, a roupa, o cotão no chão, o pó nos móveis, essencialmente) estão ali mesmo à frente a dizer "arruma-me".

Nisto são todos iguais. Exceto o meu: ontem cheguei a casa e estava a roupa apanhada, dobrada e arrumada e o jantar encaminhado, foi ele quem tratou da loiça suja e deitou o miúdo. E teria sido ele a acordar e a levantar-se caso o miúdo acordasse a meio da noite, porque em relação a isso não tenho mesmo razões de queixa.

Mas, se as mulheres modernas já sairam do armário em relação aos filhos (como já escrevi aqui e aqui), falta-lhes fazer abertamente o mesmo em relação aos maridos. Ainda se fala sobre isto de eles serem todos diferentes mas todos um bocadinho iguais em sussurros, assobiando para o lado quando eles não estão ouvir: ninguém gosta que os outros fiquem a pensar que não temos o casamento perfeito, mesmo quando toda a gente sabe que isso da perfeição não é bem assim e que as queixas não são sinónimo de estarmos à beira do divórcio.

Definitivamente, não se fala muito disto nas redes sociais, a não ser um bocadinho no abstrato, como aconteceu no post Dis-"criminação" do blogue da Mãe Apanhada na Curva, ou aqui, no blogue A vida a 4 dimensões, a propósito de dados que revelaram que Portugal é dos países do mundo onde as mulheres mais trabalham dentro e fora de casa. A exceção foi a corajosa Lia Ferreira, num post fantástico que ficou para a história e muita água fez correr na blogosfera.

A questão é que nos prometeram igualdade. Crescemos a ouvir que não eramos menos do que eles, que tinhamos direito a ter uma carreira e que eles tinham de ajudar em casa. Imaginámos, então, um mundo em que ambos trabalhassemos em casa e fora dela, em que tudo fosse partilhado sem dificuldades, dilemas e debates ideológicos. Os nossos pais foram bastante hábeis a desresponsabilizar as raparigas do trabalho doméstico, mas esqueceram-se de responsabilizar os rapazes. 

O resultado é um meio termo difícil de gerir. Mas consegue-se: o meu conselho é "meninas, passem a olhar para o lado quando se cruzam com roupa por arrumar, com loiça suja, ou móveis cheios de pó... encolham os ombros e sigam em frente, as casas não têm de ser nenhuns museus - nisso eles têm razão, nós preocupamo-nos demais.