O Pai Natal não existe

Sabia que O dia havia de chegar, como sempre tive consciência das muitas perguntas difíceis com que me ia deparar. Até ontem, safei-me sempre razoavelmente bem, pelo menos foi o que me pareceu.
 
- As meninas têm pilinha?  
- Não
- Têm, têm, que noutro dia a S. foi à casa de banho fazer xixi
- Foi fazer xixi mas não tem pilinha.

Depois disto surgiram muitas outras coisas, algumas que já não recordo. Outras foram algo do género: "Como é que os bebés vão parar às barrigas das mães?" ou "Se não tens dinheiro porque não vais ao multibanco levantar?".

A mais desconcertante de todas talvez tenha acontecido no dia do quinto aniversário do miúdo, também o dia da morte do bisavô. Nem foi difícil dizer-lhe da morte ou responder "foi para o céu" quando ele perguntou "e agora?". Não preparei nada, apenas fui respondendo como soube. À noite, quando entrei no quarto onde ele estaria a dormir, atacou-me com um "Onde foste?". Respondi "fui ver o avô" e logo a seguir achei que tinha baralhado tudo. Afinal não: ele limitou-se a perguntar, com a maior normalidade do mundo: "E estava no céu?". Estava, 

Voltando ao dia de ontem, foi, até agora, o mais difícil dia de explicações. Nunca será fácil ser confrontado com a pergunta "Achas que o Pai Natal existe?" e decidir que está na hora de contar a verdade. Comecei por contornar o problema perguntando "O que é que tu achas?". Ele achava que sim, mas insistia em perguntar "E tu, o que achas?".

Rodeei, rodeei, deitei as mãos à cabeça quando percebi que não conseguia dar mais voltas ao assunto e, depois de deitar as mãos à cabeça, percebi que não tinha outra opção senão contar cautelosamente a verdade. 

Acontece que não é nada simples desmontar um enredo que começou com o nascimento do menino Jesus, passou para uma personagem da Coca-Cola e acabou em algo universal e absolutamente difícil de contrariar devido à existência de provas.

Resumindo, o diálogo foi mais ou menos este:
- Não, não existe. 

- Então vocês andam para aí a gastar dinheiro em prendas! Depois não temos dinheiro (ele não disse para que o queria, mas era precisamente para prendas, e foi aqui que se tornou difícil não desesperar)

- Nós só damos as prendas que podemos. O Pai Natal nunca dá as prendas todas que os meninos pedem, pois não (para que raio estás outra vez a falar no Pai Natal, mulher?!).

- Mas o V. já viu o saco do Pai Natal em casa dele!

- Devem ter sido os pais dele. Há pais que se vestem de Pai Natal. Tu nunca viste o Pai Natal, pois não?

- Não. Este ano ia ficar acordado para ver se ele chegava.

- Pois, mas não vem.

- Eu acho que o Pai Natal vai às outras casas à meia noite. Como é que vocês fazem?

(O Pai Natal não existe para ninguém, não é só em nossa casa. Como é que me vou livrar disto?)

- Esperamos que vás dormir e pomos as prendas junto ao pinheiro. 

- Mas, diz-me uma coisa, o Pai Natal alguma vez existiu? 

- Não. 

E comecei a tentar explicar que a história das prendas no Natal tinha começado com o nascimento do menino Jesus, que veio à terra para ser o salvador, para as pessoas serem boas, e depois os reis magos oferecerem ouro, incenso e mirra.

Ele podia ter embirrado com a mirra, mas cismava que era tesouro em vez de ouro, e estava tudo cada vez mais complicado, e a dada altura já lhe estava a dizer que os tesouros podiam ser de ouro ou de pedras preciosas, até que ele atacou uma última vez e acabou com o problema. 

- O menino Jesus era Salvador Jesus? 
- Ah?!??? Dizia-se que era o salvador...
- O nome dele era Salvador Jesus?
- Não. Dizia-se que era o salvador porque a Terra era, e ainda é, um sítio complicado, com guerras, pessoas más...
-Já percebi. 
E foi jogar à bola.


3 comentários:

  1. Não tenho filhos mas ofereço desde já a minha solidariedade, a fase dos porquês deve ser, no mínimo, cansativa ;) Já tive uma amostra ou dez com as minhas sobrinhas e apeteceu-me fugir!

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