Meias, gravidez e o carrossel dos conselhos ao estado de graça

As meias de descanso/compressão serão, certamente, das coisas mais difíceis de enfiar no corpo. e, consequentemente, das coisas que mais facilmente desistimos de tentar vestir. No fim tudo fica normal, mas calçar aquela coisa apertada e fazê-la subir pelas pernas acima é uma aventura. Estou no dia 1 de meias de descanso/compressão, tenho varizes, pernas doridas e pesadas, já devia usá-las há anos. A dor e o peso nunca foram suficientes para me convencer. 

Cheguei agora ao ponto de concluir que tenho mesmo de seguir as indicações médicas e fazer o sacrifício. Para já acho, neste dia 1, com cerca de três horas enfiadas numas meias até ao joelho, parece-me que vale a pena. Não dou conta de estar com umas meias especiais e sinto as pernas mais leves. No fim do dia saberei melhor avaliar os resultados, mas para já digo que sim, realmente resultam.

A questão é que, para saber se elas resultam é preciso conseguir calçá-las e, raios, nunca vi coisa tão difícil de vestir. Nunca experimentei um espartilho, mas imagino que até isso seja mais simples - aperta-se atrás, por muito apertada que uma pessoa fique a operação de o vestir parece mais fácil, ainda que implique duas pessoas. Se calhar era o que devia ser indicado para as meias de descanso.

Não me admira nada que a única tentativa que fiz até hoje, quando estava grávida, tenha sido uma aterradora e traumatizante. Como é que uma mulher com uma barriga e umas mamas gigantes consegue alcançar os pés e os tornozelos para ultrapassar a fase mais complicada de vestir umas meias tão apertadas que implicam ginástica, habilidade, agilidade e treino? Sei de muitas grávidas que as usaram, parabéns para elas, ainda bem, se eu as tivesse usado talvez agora não andasse à volta com varizes e pernas pesadas. A mim disseram-me muitas vezes que as devia usar - uma ou duas, vá, e voz que o fez de forma mais veemente foi a mãe de outra grávida que me irritou porque achei que estava a mandar em mim. 

As grávidas não gostam que mandem nelas, porque passam a gravidez a ouvir palpites de toda a maneira e feitio. Hão-de perceber que muitos deles até tinham razão de ser. Mas são tantos e tão contraditórios que se transformam num ruído de fundo que irrita. E as grávidas ficam tão hormonalmente sensíveis que não gostam de se sentir num carrocel a toda a hora. 

Eu, pelo menos, senti-me assim muitas vezes: como se todos estivessem a dizer ao mesmo tempo coisas que eu não conseguia ouvir porque entretanto a minha cabeça estava transformada numa roda gigante com tanta informação. Talvez tenha tido o azar de receber muitas sugestões. Não faças isto, faz aquilo, usa isto, aquilo é que é... 

Tivessem perdido mais tempo a explicar-me mesmo a sério que um filho dá muito trabalho, chora muito e não deixa os pais dormir, por mais que até seja sossegado (a mim saiu-me um pouco tranquilo e com um choro que ainda hoje fura os tímpanos a qualquer um), porque em relação a isso tudo o que eu vi foi o olhar ternurento e confiante de quem olha para alguém que está a gerar uma vida e que não deve estar senão infinitamente feliz. 

Raras vezes me senti em estado de graça, em parte porque não me sentia dentro do meu corpo. O meu nariz parecia o de uma rena, as minhas pernas incharam, deixei de calçar o 36 para calçar o 38. No último mês não consegui calçar outra coisa senão os sapatos do pai da criança, tamanho 41, e vestir-lhe o casaco, tamanho L, formato masculino. E não conseguia vestir o raio das meias, não chegava aos pés, tinha de passar por cima da barriga para tentar meter-me dentro delas e o miúdo fincava-me os calcanhares no peito. Atirei-as para um canto tão recôndito que ainda hoje não sei onde estão. Nunca mais as vi.

Alguns conselhos até faziam sentido, mas uma grávida cheia de hormonas aos saltos pode não ser a pessoa mais fácil para os ouvir. Eu sei que não fui. 



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