A intimidação só resulta com o medo. Nos piropos e não só.

A questão foi levantada pela Sílvia Silva a propósito de um comentário da Fernanda Câncio e eu vou já direta ao assunto: "não me chateies", "mete-te na tua vida" e  "vai-te foder, vai para o caralho" (a minha preferida) são as frases chave para despachar supostos "piropos" de homens que se acham engraçados.

Nem precisa de ser nada de muito grave. Este verão, fazia eu uma retemperadora caminhada na praia quando me cruzei com um pescador que se lembrou de me perguntar se não me apetecia correr. E se fosses apanhar conchinhas? Sabia que teria de me cruzar com ele outra vez no regresso mas o segredo (desta como de muitas coisas) é não ter medo. Não tive medo não apenas porque até nem foi um piropo ou comentário desagradável. Não tive medo porque deixei de ter medo.

Sim, eu, como a Sílvia, como muitas mulheres, fui várias vezes abordada na rua por homens desconhecidos com comentários humilhantes e frases e gestos degradantes, para não dizer pornográficos, sobretudo porque a alguns ouvi-os quando ainda era adolescente. Ouvi os disparates calada, envergonhada, com medo. Olhos no chão, a fugir sem correr. 

Agora não. Se não tivesse sido antes, tinha sido quando comecei a ter de explicar ao meu filho que o colega só vai deixar de o chatear no recreio quando perceber que ele não tem medo, não se incomoda, não quer saber. Que não, o zézinho não vai comprar nenhuma espada a sério para o atacar, se tivesse de a comprar já tinha comprado, os pais deles nem sequer lha dão, nas lojas não as vendem a crianças. Que o zézinho só quer que ele tenha medo e enquanto ele mostrar medo não o vai largar. 

Para mim, a história dos piropos tornou-se risível há quase dez anos, mais uma vez na praia, quando a angústia de ter ficado desempregada me tirava de casa para libertar a dor. Eu, que sempre me senti um patinho feio (apesar dos piropos - mas, para quem não sabem, os piropos e as palermices atiradas para o ar no meio da rua por desconhecidos são muito diferentes de elogios, para não dizer que são o oposto) caminhava a ver se me passava a raiva quando um engraçadinho correu para me apanhar e dizer: "Posso-te acompanhar?". Não. "Algum namoro que acabou mal?". Não. Apressei o passo e segui caminho. 

Devia ter-lhe dito: "Não, meu grande estúpido, fiquei desempregada, sabes o que isso é? Estou a sofrer com isso e vens-me para aqui falar em namoros frustrados?". Fui o caminho todo a pensar na ironia daquilo, ao mesmo tempo que lidava com a frustração de ter o passeio estragado e com o pânico de achar que ele me seguia,

Os piropos palermas podem ser mais inofensivos mas são um bocadinho como a violência doméstica: a intimidação só resulta se tivermos medo. 

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