Crise? Que tontice, estava só a pensar.

Tive uma crise, cansada da mesma coisa todos os dias, que foi feito dos sonhos, ainda por cima estou cheia de brancas, tudo me irrita e já estou suficientemente irritada comigo própria. Mas tenho um amor maior, às vezes os sonhos que sonhamos nem são os que nos fazem mais felizes, afinal a crise era só eu a pensar. Andei a viajar, cheguei a casa e foi preciso arrumar para continuar.

Estou com uma crise, não sei se é de meia idade, acho que aos 36 não existem crises dessas (se os 30 são os novos 20, qual é a idade da meia idade?), mas estou, sem dúvida, com uma crise qualquer. Tenho muitos e variados pensamentos ao mesmo tempo, sobre muitas coisas ao mesmo tempo: a vida, a carreira, a ambição, os sonhos, a profissão, nem sequer sei bem o quê. Estou cansada de fazer todos os dias a mesma coisa, talvez seja só do tempo, com o sol fica tudo melhor, será?

O meu cabelo está nojento, quer dizer, hoje até não está mal, ontem empastelei-o com um produto hidratante encontrado perdido no armário - estava de fugir, acordou todo no ar, amanhã depois da hidroginástica vai ficar pior. Tenho brancas espalhadas por todo o lado, podia pintá-lo, mas não sei se quero. Também está curto, o cabelo, cortá-lo mais é arriscado. Que indecisões estúpidas, miúda! Se não gostas das brancas pinta, pronto, assunto arrumado. Vais deixá-lo crescer? Se não vais, dá-lhe um corte de jeito, que diferença faz cortar se nunca vais ter paciência para o deixar crescer? 

Ainda assim hesito, as brancas afligem-me mas a pintura também, se estiver constantemente a cortar fica sempre na mesma, vejo-me ao espelho e não sei bem quem sou, não é pela estética, é que tinha tantos sonhos e... a sério que vais falar de coisas sérias? A vida perdeu-mos, aos sonhos, acho que foi isso, não consigo encontrar expressão melhor. Queria ser tantas coisas e parece que estou sempre no mesmo, a comer o mesmo, a repetir todos os gestos, todas as rotinas, todos os dias. Ao mesmo tempo, tenho muito mais do que alguma vez podia imaginar. Nunca se consegue dar a dimensão certa ao que é um ter um filho. Se não se faz ideia do que custam as noites sem dormir, as papinhas, as sopinhas, as fraldinhas, as cólicas (não há diminutivo para esta coisa, quem passou por ela sabe do que estou a falar) ou as birrinhas, muito menos se alcança este amor maior. Às vezes os sonhos que sonhamos nem são os que nos fazem mais felizes.

Ontem ou há uns dias, já não sei, estava assim, irritada comigo, com o cabelo, com as brancas, com a passagem do tempo, até com saldos de 50% que deixam peças de roupa com preços superiores a 50 euros (como é que o preço da roupa chegou a este ponto?). Tentando melhorar as maleitas, decidi levar amaciador do cabelo para usar no banho pós-hidroginástica, antes o peso na mochila que o cabelo feito palha. Caiu-se-me o raio da embalagem não sei quantas vezes durante o duche, tantas vezes a apanhei que descobri: usei uma embalagem inteira de champô a pensar que era amaciador. Ri-me, que patetice, será da velhice? E, com isto, tão simples, só porque me fez rir, acho que me passou tudo, o Porto fica tão lindo com sol, sou a mulher-maravilha outra vez.

Não te digas sem ambição, sem projetos, sem sonhos. Se os consegues concretizar é outra coisa, mas pior do que não conseguir é nem os ter. Afinal, a crise era só eu a pensar, que tonta, não faz mal nenhum. Foi como se estivesse a viajar e parasse para organizar ideias antes de prosseguir caminho. Ou como se tivesse chegado a casa. A vida, mesmo sem viagens, também se faz assim, com partidas, chegadas e arrumações.



Este texto da Divine Shape foi publicado no site Porto 24, e também pode ser lido aqui

2 comentários:

  1. Nem sei por onde começar...primeiro obrigada por esta partilha!!!!! Quero que saibas que me sinto tal e qual...também acho que estou a passar por uma crise. A cabeça a mil, a achar que já não consigo tomar conta do recado nas coisas mais pequenas como os jantares, só ter de pensar já fico cansada...tenho de fazer um esforço enorme para não passar isto para os miúdos e estar com eles com calma a ouvir as perguntas disparadas em simultâneo e responder calmamente...é muita muita coisa...com a agravante do o mais novo, acabou de fazer 1 ano, ser o primeiro a dar o sinal que a mãe anda diferente...enfim! Acho que faz mesmo parte da Vida estes ciclos e estas crises mas p* esta para mim está a ser difícil...por isso desejo força e muita iluminação para ultrapassar estas coisas e logo logo voltar ao que somos e aos sonhos que sabemos poder concretizar! muito beijinhossss adorei "ler-te" :)

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  2. Eu é que agradeço a partilha. É bom saber que alguém nos lê desse lado, e que o que escrevemos importa, nem que não seja porque alguém se identifica connosco. Os jantares também são o meu terror, confesso. Acho até que estou a entrar numa fase de quase ataque de pânico de fim da tarde: é o jantar, apanhar a roupa, guardar a roupa (passar a ferro já passo pouco), o jantar outra vez, as perguntas, quando chega a hora de ir para a mesa já só tenho vontade de ir para a cama. A solução é fazer um esforço (bem grande) para manter a calma. Porque, sejamos realista, é só um jantar, é só roupa, não vale a pena o desgaste. E sim, os miúdos pequenos parecem ter uma habilidade especial para pressentir quando as mães (ou os pais, acho) não estão bem - ficam logo mais sensíveis e irritados. Só isso tem de servir de motivação para levar tudo de ânimo mais leve :)

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