A sustentável leveza do campo

A cabeça pesada, as costas a doer, os pés apertados numas sandálias que não apertam mas que não as havaianas que usei nas últimas três semanas, o vestido que não é formal mas também não é de ir à praia ou de andar no campo, despreocupada com tudo, o cabelo despenteado escondido com um lenço, o sol a queimar-me a cara, o filho a saltar à minha volta, poder deixá-lo correr à vontade, a praia, as ervas para arrancar, a enxada, até isso parece fácil agora que regressei ao trabalho. É o que as férias têm de muito mau - o regresso. E o tempo que levamos a esquecer que as tivemos, coisa que deve acontecer entre amanhã e depois. 

Não sei se será bem das férias, se da vida que levamos na cidade, não sei se o ar por aqui é mais pesado, mas por aqui parece que me custa mais fazer as coisas. Levo comigo quilos - daqueles antigos, de pesar a fruta e os legumes - sempre que tenho de ir ao supermercado e à mercearia, tudo me custa, parece que tudo faz falta, vou porque preciso de duas coisas e trago 20, tal é o sacrifício de andar ali metida, confusão de carrinhos, de vozes, de músicas, de gente de ar cansado, de mim saturada e ar de enfado, a vontade de chegar depressa a casa. 

Se tivesse de ponderar os pós e os contras, dificilmente iria viver de vez para o campo. É o que sucede com a hipótese de ser "mãe a tempo inteiro". Tenho a certeza de que não me sobraria tempo, de que teria o dia todo ocupado, admiro imenso as mulheres que são, mas pesados todos os prós e os contras, acho que não conseguiria. Mas algo existe de errado nesta nossa vida em que parece que andamos sempre a correr, em que o tempo nunca chega para tudo, tanta roupa, tanta pose para nada. Cada vez mais gente se muda para o campo, a internet realmente permite que trabalhemos em praticamente qualquer lugar, a nostalgia que por aí abunda também está relacionada com isto, tanto andámos, tanto julgámos ser capazes de fazer que agora olhamos para trás e vemos as vantagens de ter a família por perto, nem que seja a buzinar-nos nos ouvidos. Poder deixar o miúdo e ir arejar, ir visitar o avô, dar atenção à avó, até suspirar porque as conversas não nos interessam, o tempo está assim e diz que amanhã vai mudar, mas aquelas nuvens mostram outra coisa, fulaninho que fez aquilo e aqueloutro, no meu tempo é que era, deixa o menino, ralha ao menino, ai que menino, parece que está sempre tudo e errado mas elas estão ali para ajudar, e ajudam muito.

Os mais velhos falam de tudo como se não falassem de nada. Nós complicamos. Falamos de nós, dos nossos projetos, das nossas ideias, das nossas ambições e frustrações. Sempre nós. No fundo talvez o mesmo vazio das conversas na soleira da porta, ai as costas que doem, a mim também e tenho 36, antes me doessem mais os braços de andar com a enxada nos braços, ao menos assim era justificado, e no fim aquele cansaço bom, os músculos moídos e doridos, cair na cama e não pensar em nada. Acordar no dia seguinte sem planos, apenas andando ao sabor da meteorologia e do que apetece, nada de compromissos, pensar apenas no imediato, apanhar as peras que já estão maduras, podar os ramos velhos, tomar banho de mangueira porque está calor, não ter decisões difíceis para tomar, a cabeça fresca sem precisar de apontar tudo no telemóvel para não esquecer, como se fosse o cérebro de um pardalito esquecido, andar sem pensar, apenas fazer.

Sem comentários:

Enviar um comentário