Orar (três anos depois)



Por razões diversas, o filme "Comer, Orar, Amar" acabou de entrar na lista dos meus filmes preferidos, com forte potencial de revisitação. Entre esses motivos está uma doença irritante e incómoda (nada de grave) e um carro na oficina que me deixaram ontem à tarde sozinha em casa, com muita vontade de não pensar em grande coisa e de ver um filme inteiro e não apenas uma série. E também o facto de o filme ter passado na SIC e de o ter gravado com o sistema do novo e mais barato sistema (operador?) de televisão por cabo.

Portanto, dizia eu, tudo se proporcionou ontem para que começasse a ver a gravação, interrompida pela chegada a casa da minha criança e das fortes e sustentadas suspeitas de ter, também, uma infeção urinária (desde 2012 que, por razões que a razão desconhece, me transformei num iman para as mais diversas e inimagináveis mazelas). 

Bem sei que o filme é de 2010 e que estou três anos atrasada, mas é o máximo que posso, não ando aqui para me armar em "sou-o-máximo-porque-estou-sempre-em-cima-de-todas-as-novidades" ou em "sou-muito-culta-e-informada". Sou o que sou e parte da crise da Júlia Roberts no filme (mais ou menos a parte do fartei-me de me sentir constantemente avaliada, de andar constantemente a avaliar-me e de não querer dar parte de fraca já eu a superei, ou caminho para a superar. Acontece que em 2010 o meu filho tinha entre um ano e pouco e dois anos e pouco, eu trabalhava desde os quatro meses dele e o meu único passatempo era dormir - não por imposição, mas por vontade própria e grande necessidade. 

Também podem dizer-me que o filme é kitck, romanticozinho, demasiado oriental e zen, muito "find your inner self and be happy" ou até totalmente fora da realidade (não porque uma gaja decide largar tudo para comer em Itália e meditar na Índia, mas porque depois, assim de repente, encontra em Bali um Xavier Barden que de vez em quando fala brasileiro, chora e dá beijos aos filhos adultos). Talvez, mas não me importa. 

Se tivesse visto o filme há uns bons anos, certamente teria recolhido algumas frases-chave num caderno de apontamentos, teria pensado muito nelas e teria tentado viver como a Júlia (sim, estamos íntimas). A coisa teria corrido mal, ou bem, e passaria quando me cruzasse com outro filme capaz de me dar a segurança e esperança que não tinha. Certamente, não teria percebido o que ela diz em Nápoles à amiga loirinha sobre o prazer de comer. Qualquer coisa como: Não quero ficar obesa, mas estou farta de acordar a pensar no que comi no dia anterior e nas tentações em que não posso cair. Foi um bocado isso que me aconteceu, gente que me pergunta como é que emagreci sem fazer nada. Não fiz nada, foi só deixar de estar obcecada com comida - a partir daí tudo seguiu o seu rumo, não tive de me esforçar um milímetro, de sofrer, de me angustiar por não comer isto e aquilo, de me afligir porque comi isto e aquilo.

Por isso quero lá saber se é kitch, se já passou de moda, se devia ver cinema a sério em vez de me perder com estas histórias. O que sei é que os anos não me trouxeram apenas idade, brancas no cabelo, varizes e hérnias e outras coisas patetas. Fizeram-me ver as coisas de uma forma bem mais interessante (mesmo no mundo real, em que não há viagens exóticas nem sequer dinheiro para férias).

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