Pensar a moda: Seremos todos iguais? - entrevista a Joana Campos e Silva (www.fashionthinkers.com)





"Embora a roupa nos possa diferenciar uns dos outros, diz muito pouco daquilo que eu sou". Esta foi uma das respostas que a Joana Campos e Silva me deu para recusar responder à entrevista da rubrica WHAT' S IN YOUR CLOSET. 

Não foi a única justificação que me deixou a pensar, longe disso. Tudo o que ela disse - como, por exemplo, "A moda está globalizada e a identidade perdeu-se" - serviu para concluir que tinha mesmo de entrevistar, nem que fosse preciso criar a rubrica THERE' S NOTHING IN MY CLOSET (é uma possibilidade futura, caso haja mais gente disponível a juntar-se a esta reflexão sobre a moda). 

Porque este blogue de moda quer ser tudo menos um blogue de moda no sentido tradicional. Aqui não se mostra a criadora do blogue, muito menos em fotografias de looks. E a Joana deixa a crítica: "O mundo está cheio de bloguers iguais a tantos outros. As pessoas vestem-se todas da mesma forma, com as mesmas marcas, fazem o look total da mesma forma. Já não conseguimos distinguir uma brasileira de uma portuguesa ou uma italiana. É uma chatice! Preocupa-me particularmente a falta de personalidade e de ADN nas pessoas, nas marcas e nos blogues". 

Preocupada com o "não conteúdo" produzido em Portugal por falta de "massa critica", as Fashion Thinkers estão a desenvolver um projeto para tentar mudar isso - "Colisão é o que queremos", diz Joana Campos e Silva. 

Eu não acho que todos os blogues de moda sejam tão iguais assim (embora muitos sejam bastante idênticos), nem que as pessoas se vistam todas de igual. Eu, que recuso seguir modas de que não gosto (e não gosto de muitas coisas que estão na moda) sinto que o que visto reflete a minha personalidade e não o que as marcas me impõem, embora, obrigatoriamente, tenha de me sujeitar às marcas - a escolha é entre isso ou fazer a minha própria roupa, coisa que está fora de causa pelo pouco jeito que tenho para a costura. 

Acreditava estar a conseguir afirmar a Divine Shape como um projeto alternativo, mostrando projetos diferentes, arrojados, diferentes. A julgar pelas reflexões da Joana Campos e Silva, não é fácil lá chegar: "A oferta é global e o problema está na falta de oferta diferenciada. Porque as grandes marcas querem ser globais. Por mais que eu queira impor o meu estilo, só tenho acesso ao 'global' e as próprias marcas, que outrora eram ícones em determinados países pela força da sua personalidade, hoje estão a perder características. A nossa 'identidade' é afetada por isso", diz a fashion thinker. 

Mas se o projeto Divine Shape quer ser alternativo, então também deve abrir-se a estas reflexões. Todos os alertas da Joana Campos e Silva, das Fashion Thinkers, me deixaram a pensar. E a concluir que este é o local ideal para falarmos sobre o assunto.  

"Prefiro que as pessoas pensem em mim pelo que digo e não pelo que visto. A forma de vestir é apenas uma forma de chegar às pessoas - um meio. Uma marca é construída pela combinação de vários valores, formas, canais, mensagens. Por isso é que falar apenas do que visto é muito redutor", explica Joana, acusando as pessoas de vestir "determinadas roupas para espelharem uma coisa que gostariam ou ambicionam que os outros pensem que são".

As Fashion Thinkers querem repensar a moda e o estilo de vida das pessoas. Para isso, têm como ponto de partida a colisão entre a moda e outras áreas. A intenção é descobrir novos formatos, novas formas de pensar a cultura e a moda, potenciar as marcas e novas formas de olhar o mundo, transformando-o. Com uma certeza, que não é nova para quem tem alguma formação em trendhunting (caçar tendências): Em parte pela crise financeira que atravessamos, as marcas vão começar a 'vender' o chamado 'Style Conscious'. 'Não me digas o que vestes, diz-me que causa defendes'. 

1. O que é o projeto Fashion Thinkers?
É um projeto aberto, que nasceu de um grande interesse pela moda. Quando iniciamos o projeto começamos pelo lado da tendência, área do branding, recolhendo perspectivas que gostávamos. Era tudo muito naif e espelhávamos acima de tudo uma descoberta gráfica. Na verdade não sabíamos bem o que queríamos e hoje continuamos a afinar, o que é ótimo, porque ainda há tanta coisa a fazer e a nossa cabeça não pára :) 
O projeto não é estanque e as reflexões que têm um formato escrito são temas que discutimos diariamente, no café, em jantares, seminários, em qualquer sítio. O blogue é apenas uma extensão de uma postura diária em relação ao que fazemos - amar a moda e questionar o mundo :) Estamos em constante reflexão e questionamento. 
Hoje vejo o projeto como uma mutação. Não tem uma única forma, não foca apenas numa área. Apenas sugamos a cultura, a indústria e as tendências. Re-pensamos a moda e o estilo de vida das pessoas. Por isso a nossa base é a moda em colisão com outras áreas (desporto, comida, saúde...). A ideia é descobrir novos formatos, novas formas de pensar a cultura, a moda e potenciar as marcas e novas formas de olhar o mundo, transformando-o.

2. Tentei entrevistar-te para a rubrica WHAT' S IN YOUR CLOSET e recusaste, dizendo que  
"embora a roupa nos possa diferenciar uns dos outros, diz muito pouco daquilo que eu sou". Mas és uma pessoa que se preocupa com o que veste, ou não? Não consigo olhar para ti sem achar que tens uma imagem de marca. E isso não se consegue menosprezando a moda, as tendências, o conceito de estilo... Ou consegue?
Se me comparar com outras pessoas, acho o meu estilo bem normal. Poderá é existir um ou outro pormenor que evidencia a minha personalidade. Eu construo marcas, claro que me preocupo com o que visto e sei a força que tem o aspecto visual, principalmente nos dias de hoje. Mas prefiro que as pessoas pensem em mim pelo que digo e não pelo que visto. A forma de vestir é apenas uma forma de chegar às pessoas - um meio. Uma marca é construída pela combinação de vários valores, formas, canais, mensagens. Por isso é que falar apenas do que visto é muito redutor.

3. Disseste-me também que te interessava mais falar sobre as tuas reflexões, os locais que visitas, das culturas que conheces, dos livros que lês, das transformações a que assistes e que, essas sim, influenciam e muito a moda atual. Podes detalhar mais esta afirmação, explicar-me melhor esta reflexão que tens feito? A moda não foi sempre influenciada por várias áreas? 
Ando particularmente aborrecida com o boom dos bloguers e contra mim falo, porque as FashionThinkers apareceram em 2010. Não quero parecer arrogante, mas como defensora dos bloguers na proliferação das marcas, acho que o posso fazer. O mundo está cheio de bloguers iguais a tantos outros. As pessoas vestem-se todas da mesma forma, com as mesmas marcas, fazem o look total da mesma forma. Já não conseguimos distinguir uma brasileira de uma portuguesa ou uma italiana. É uma chatice! Preocupa-me particularmente a falta de personalidade e de ADN nas pessoas, nas marcas e nos blogues. Falei sobre isso aqui.
De tantos blogues que já segui, só consulto mesmo a The Man Repeller, não só por ser construído por uma mulher fora do estereótipo de beleza e tão cheia de tanta coisa inesperada. Ela impõe a sua personalidade nos seus coordenados e consegue-se diferenciar-se das restantes, mesmo usando a tendência. Sinto que o conteúdo produzido em Portugal é rico em 'não conteúdo'. Não há massa critica. Estamos a desenvolver um projeto para tentar mudar isso - colisão é o que queremos. 

4. Na tua opinião, a moda está globalizada e a identidade perdeu-se. A tendência não será, pelo menos para algumas minorias, procurar precisamente essa afirmação de identidade, em vez de perseguir o que "está na moda" em determinada estação e usar o que todos os outros usam?
Faço uma reflexão sobre isso no artigo sobre "O ADN da moda em Portugal", bem como em "A Legitimidade das marcas & as tribos perdidas". A oferta é global e o problema está na falta de oferta diferenciada. Porque as grandes marcas querem ser globais. Por mais que eu queira impor o meu estilo, só tenho acesso ao 'global' e as próprias marcas, que outrora eram ícones em determinados países pela força da sua personalidade, hoje estão a perder características - a nossa 'identidade' é afetada por isso. 

5. Comentaste comigo que as pessoas vestem determinadas roupas para espelharem uma coisa que gostariam ou ambicionam que os outros pensem que são. Achas que isto está verdadeiramente generalizado? 
As marcas de moda estão dotadas de atributos 'subjetivos' muito focados no estatuto que a marca gostaria de dar ao indivíduo. A Zara veio abrir portas ao grande consumo, e comprar o 'estilo' de grandes marcas tornou-se mais fácil. Por isso, hoje, consigo facilmente projetar um estilo parisiense, porque a Zara tem o estilo Chanel ou o estilo de outras marcas... 
Pela evolução do mundo e muito pela crise que atravessamos, as marcas vão deixar a subjetividade e vão começar a 'vender' o chamado 'Style Conscious'. 'Não me digas o que vestes, diz-me que causa defendes'. Podes ler mais sobre isto aqui podem ler mais aqui. Esta mudança é obrigatória, porque a indústria têxtil cresceu mundialmente muito pelas condições de trabalho impostas pela China e Índia... E é importante, principalmente agora que o poder de compra diminuiu, mudar o comportamento de quem compra. Espero que esta mudança, faça, realmente uma mudança no indivíduo. 
As marcas vão incorporar uma postura mais consciente sobre a fabricação, exploração humana, proteção social e cultural. Isto sim, é importante de ser espelhado naquilo que vestimos. 

10. Não haverá uma (ou várias) minorias que se cuidam ao nível do vestuário, tendo apenas como objetivo sentirem-se bem na sua pele, sentirem que o que veste transmite a sua personalidade, saberem que não estão espartilhadas pelo que se diz que "está na moda" e que não têm por preocupação parecer algo que não são? 
Com toda a certeza que sim. Mas o problema é a globalização. Independentemente disso e falando de minorias, parece-me que as verdadeiras minorias tentam, e por força da sua natureza, projetar a minoria que representam, seja ela religiosa, por fruto da nacionalidade, racial, cultural, intelectual, etc. Esta projeção reflete-se então, num dos seus aspectos, na maneira como se vestem, que, logicamente, vai conter determinados elementos dessa mesma minoria. 

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