Vendaval

Acordo nos últimos dias como se um vendaval tivesse passado pela minha cabeça e o medo de não saber quando é que isto irá parar, onde é que isto irá parar, o país, eu, a minha família, as nossas famílias, os nossos filhos.

As frase do pequeno Pedro e as pa la vras do Ví tor Gas par a mar te lar a mi nha ca be ça, a que le tom mo no cór di co, as medidas que parecem querem transformar-nos num país de miseráveis, que me trazem à cabeça as recordações dos meus avós, do tempo em que uma sardinha dava para muitos, em que a comida escasseava na mesa, em que se andava descalço na rua porque não havia dinheiro para sapatos, em que se percorriam distâncias incríveis a pé ou de bicicleta, e tudo o resto que muitos sabem melhor do que eu, porque o que eu sei são só memórias que nunca ouvi com grande atenção por pensar que esse tempo tinha passado.

Na SIC, o ministro das Finanças é confrontado com um e-mail de uma mãe de dois filhos, divorciada, que ganha 600 euros, gasta metade do salário com a casa e vai perder sabe-se lá quanto dinheiro com as medidas anunciadas pelo Governo. Gaspar responde naquele tom inabalável que todos temos de fazer sacrifícios. Que os rendimentos mais baixos serão protegidos. Questiono-me, porque o ministro continua sem explicar, o que são para ele os rendimentos mais baixos. Porque eu, como aquela mãe, já não sei por onde possa continuar a esticar a corda, a apertar o cinto, a baixar as calças e deixar que me roubem parte de um ordenado de merda.

Eu não sei se o pequeno Pedro e o Gasparzinho percebem que, para além da questão da TSU das pequenas e médias empresas, os sacrifícios que todos temos de fazer vão levar alguns a continuar a viver à grande, outros a conseguir viver mais ou menos e outros sem saber como conseguir sobreviver. A mim parece-me simples, compreender isto. Mas eu não recebo o ordenado deles ao fim do mês. Ainda que me esfalfe, que faça horas extraordinárias, que trabalhe enquanto a minha família está a jantar e o meu filho reclama um minuto que seja de atenção só para ele, que não me viu o dia todo e ao fim do dia tem de me aturar em telefonemas sucessivos, senta e levanta da mesa, o prato cheio de comida que não vou conseguir engolir porque não consigo parar de atender e fazer telefonemas.

Ora, caros Pedro e Gaspar, pensem lá bem: eu não tenho casa própria porque nunca tive um emprego estável que me permitisse ter acesso a crédito. Não tenho móveis de luxo, Iphones, Ipad, nem sequer um LCD (a única televisão da casa é um trambolho e foi-me oferecida há uns dez anos, mas enquanto funcionar chega-me perfeitamente, que eu não sou de grandes pretensões materialistas). Desde o início de 2012 que ganho muito menos do que ganhava em 2008 (e nem vou falar da subida do IVA), porque resolvi trocar os recibos verdes sem direito a subsídios de férias e de Natal por um contrato com subsídios e este ano os dois subsídios foram-se.

E entretanto, caros Pedro e Gaspar, vocês decidiram que dois ordenados por ano não basta, que é preciso tirar-me três, reduzindo-me ao ordenado que recebia quando comecei a trabalhar, quando tinha idade para receber o subsídio de arrendamento jovem, quando ainda não tinha um filho para criar, quando a comida (nada de opulências, caros Pedro e Gaspar, estou a falar do pão, do arroz, da carne, do peixe) não era tão cara, quando a conta da luz não era um roubo, quando meter gasolina no carro não era um luxo.

Com 12 anos de profissão e experiência, estou reduzida ao ordenado de um estagiário, que não chega para pagar o aluguer de uma casa e dar de comer a um filho. Por isso gostava de saber, Pedro e Gaspar, se isto para os senhores não é  um "ordenado mais baixo". Se acham que tirar 200 euros a quem ganha mil é a mesma coisa que tirar 500 a quem ganha 2000 ou mais? Se tirar três ordenados ao setor público e um ao privado é equidade e igualdadade de tratamento. Ou se mais me vale despedir-me porque a próxima intenção, a ser anunciada em dia de jogo de futebol na esperança de que ninguém repare, é que alguns de nós vão ter de pagar para trabalhar.





1 comentário:

  1. Acredito que não seja preciso fazerem mais nada, para que acordem as pessoas necessarias para exigirem que se dê a volta a isto. Espero que dia 15 seja suficientemente grande e grave para que se tenha chegado ao fim deste abuso.

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