E agora, o povo vai continuar na rua?


Nas redes sociais anda tudo contente com a manifestação de ontem, 15 de Setembro, contra o Governo, a troika, os roubos nos salários dos trabalhadores, os benefícios às grandes empresas, contra a mentira, o engano, contra quem está no Poder, a favor do povo, pelo povo. O povo uniu-se e foi tão bonito. E agora?

Para já partilham-se fotografias no Facebook, imagens captadas por fotógrafos profissionais, imagens amadoras da multidão que encheu as ruas, imagens pessoais a comprovar que sim, eu estive lá e até estava gira. E escreve-se que foi lindo, ver tanta gente na rua, a lutar pelo mesmo, tanta união, tanto protesto.

E agora? Acharão os portugueses que um grito chega? Juntar-se-ão todas aquelas pessoas às manifestações ou greves que venham a ser convocadas pelas centrais sindicais? Saberão elas que todos se podem juntar-se às manifs da CGTP ou da UGT, mesmo não pertencendo a qualquer partido, mesmo não fazendo parte de nenhum sindicato? Eu já o fiz. Estava farta, queria trazer à rua a minha revolta, a CGTP estava lá e eu fui. E irrita-me esta coisa de as pessoas acharem que não se devem juntar aos partidos e aos sindicatos, e de os sindicatos e partidos acharem que não se devem misturar com as pessoas quando os protestos não são organizados por eles. Se os trabalhadores (e reformados e desempregados) saem à rua para reivindicar direitos, que se juntem a quem também luta por eles. E vice-versa.  E se quem trabalha sente estar a ser roubado, que faça greve. É um direito. Mas quem tem ordenados mais altos é quem mais perde com um dia de greve. E por isso voltaremos ao mesmo: faz greve quem está tão desesperado que prefere perder o dinheiro de um dia de trabalho e comer mais atum, pão e salsichas para deixar inequívoca a sua revolta, na esperança de que algo mude para todos.  
Ontem também estive lá, na manif. Só ainda não sei se gostei. Vi os cartazes amadores que cada um fez para expressar a sua revolta e nunca numa manifestação vi tantos cartazes diferentes. Vi a Avenida dos Aliados lotada, ouvi os gritos da alma daquela gente toda. Houve naquela tarde um semi-caos onde, a cada momento, determinado grupo gritava mais alto mas não se fazia ouvir. Porque no meio do caos, é difícil ouvir todos os gritos. No meio do caos, cada um grita para seu lado, ainda que queiram todos o mesmo. Mas cada pessoa disse o que quis, foi um movimento espontâneo e livre e isso é bom. Até descobri que uma jovem desempregada com um filho pode perder direito ao subsídio de desemprego por ter regressado a casa da mãe e esta ter ficado desempregada. Até li um cartaz a falar do desespero dos desempregados feito por um reformado que também não leva vida fácil mas preferiu falar dos outros e não dele. Ouvi um jovem desempregado dizer sem pudor que para comer tem de ir a casa do pai.

São estas histórias, que se cruzam com frases como "assim está cada vez mais difícil, temos de lutar, mas não, ainda não tive de cortar nas despesas familiares", que me deixa a sensação de que há pessoas (muitas) que ainda não entenderam a verdadeira dimensão do problema. Que se este Governo cair o cenário mais provável é a chamada rotatividade democrática: lá vai outra pessoa liderar o PSD e o partido continua a governar, ou volta o PS ao Poder, como se esta luta política do "agora vou eu, depois vais tu"  levasse a alguma coisa.

Temo que a maioria dos que ontem participaram na manifestação e hoje se congratulam com ela não tenha percebido que a austeridade vai continuar, seja de forma for. Que os grandes grupos económicos e financeiros e os senhores que os lideram vão continuar tranquilos e sossegados com as suas fortunas, a pagar cada vez menos aos seus empregados, a fazer mais exigências aos seus clientes, a vender produtos de pior qualidade e a tentar enganar toda a gente com anúncios de grandes promoções que só levam as pessoas a comprar mais do que precisam.

Os trabalhadores vão continuar a ser explorados e roubados. Os pobres vão ser cada vez mais pobres, quem tem fome vai continuar com fome, a classe média vai cair na miséria, quem vivia bem vai ter de apertar o cinto e remediar-se com menos, mas vai manter muitos luxos, ainda que ache que não. E quem é rico e vive em grande vai continuar a viver em grande. A não ser que isto leve uma grande volta.


1 comentário:

  1. Tenciono na próxima sexta-feira participar na vigília em Belém, junto à presidência da República.

    ResponderEliminar