Silêncios, assuntos domésticos e mulheres que não conseguem estar quietas

O título é grande porque o assunto é complexo. Família, barulho, trabalho doméstico. Está tudo mais ou menos ligado, descobri hoje.
 
Tive muitos anos de silêncio e solidão e por isso tenho um bocadinho de pavor de estar muitos dias calada e só. Mas gosto de estar sozinha de vez em quando e também aprecio o silêncio, ao ponto de ter momentos em que a minha vontade é enfiar-me numa caixa fechada. Não gosto de muito barulho, muita gente a conversar ao mesmo tempo, toda a gente a falar para toda a gente ao mesmo tempo, acho que fico a sentir-me sufocada. Quando o barulho é muito fico capaz de fugir,  como se precisasse de me encontrar a mim própria no meio de todas as conversas cruzadas, faz assim, não é assim que se faz, ó mãe, ó mãe, ó tia, não quero, por que fizeste isto assim, onde está o tupperware, vai buscar o vinho, onde está a minha camisola, a que horas é que ele regressa... Socorro!
 
A questão central é que concluí que há gerações de mulheres que caladas. Falam sobre tudo: são dois ovos, não são, são dois, põe quatro que é melhor, é melhor este bacalhau, não é nada, este é que é bom, usa antes este alguidar, no outro dia a não sei quantas disse-me que era melhor assim, há tempos vi na televisão não sei que mais, olha que dia de verão (ao constatar que chove) não sei quantas vezes ao dia, o cão foi ali e fez não sei o quê, anda cá, senta, vai para ali, sai e mais e mais e mais não sei quantas coisas que não são bem conversas, parecem uma obrigação de estar sempre a dizer qualquer coisa.
 
Também me parece que há gerações de mulheres que não querem/não sabem estar quietas e isto deve vir do tempo em que as mulheres estavam todo o dia em casa sozinhas e tinham sempre muito o que fazer, ou obrigava-se a ter, para não se sentirem sós. Ainda não são 9h e já há cebola a ser picada na cozinha, já saí da cama mas ainda não acordei e já ouço o barulho da loiça a lavar, os tachos e os pratos a bater uns nos outros, os talheres a cair no escorredor da loiça, alguém que acaba de tomar o pequeno almoço e volta tudo ao início outra vez. Acaba o almoço e já estão a preparar o jantar (e a ter longas discussões sobre isso), já que chove vamos limpar a casa e passar a ferro.  
 
Normalmente visito a minha avó em casa dela, onde há uma horta e galinhas para tratar e portanto nunca a vejo parada. Mas agora veio ela visitar-nos e não há jeitos de a ver sossegada durante muito tempo. Agora vou debulhar feijões, agora vou passear o cão, agora é lavo a loiça, faço cabidela, e mais isto e mais aquilo. Eu devo ter duas costelas de Adão, porque estar quieta e posta em sossego é o meu paraíso. Faltava-me mais uma costela masculina para não ser um menos de metade disto quando estou em minha casa. Às vezes também me chateia a casa desarrumada, tropeçar nos brinquedos, ver o cotão a passear no chão, mas não passo a ferro, raramente limpo o pó, não faço as camas, desisti de dar para esse peditório e ficar refém das tarefas domésticas. E por isso não percebo as anteriores e atuais gerações de mulheres, que preferem chegar o fim do dia a bufar porque não pararam durante o dia todo, irritadas porque fizeram tudo sozinhas e ninguém se ofereceu para fazer por elas quando há muita coisa que se pode simplificar.
 
Até o argumento de que os homens ainda estão longe de devidamente partilhar as tarefas domésticas com as mulheres começa a irritar-me. Não que não seja verdade. A maior parte limita-se a dar uma ajuda, a dizer "deixa estar que eu faço" e depois esquece-se.  Pelas mais variadas razões, uma delas porque normalmente são eles os melhores remunerados e passam mais tempo no trabalho do que elas. Mas isto não justifica tudo. Elas - eu incluída, porque revi-me hoje neste espelho - também podiam/deviam relaxar um bocado, dizer e pensar que se lixe, não dar importância à importância criada em torno da ideia de ser uma boa dona de casa. Eu não sou. Nem quero.
 
 

1 comentário:

  1. Vou dizer-te que sou uma péssima dona de casa. Odeio fazer as tarefas domésticas. Prefiro estar em família, a passear, a divertirmo-nos, a passar tempo de qualidade, estas são as minhas prioridades. As tarefas domésticas vão-se fazendo e ninguém morre por causa disso.
    Mas confesso, adoro ter a casa arrumada e às vezes fico deprimida porque não tenho, não consigo, não sei como se faz. Se não fosse o meu marido a casa estaria muito pior.
    Prometo a mim mesma que se fizer um bocadinho todos os dias que não custa nada, mas depois vem aquela preguiça e outras coisas tão mais interessantes para fazer...
    E o mais sarcástico de toda esta situação é que a minha filha de 6 anos adora limpar e arrumar - "quando for grande quero ser das limpezas", "mãe, posso ir buscar uma toalhita para limpar o pó?", "mãe/pai podes pôr água no balde para lavar o chão... please!".
    Enfim, no final de tudo isto o que interessa é que apesar de tudo somos uma família funcional e acima de tudo feliz! :D

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