O meu avô

O meu avô tem 97 anos, quase 98. Trabalhou durante 76. Começou aos 14, portanto. Mesmo quando eu já era nascida e ele tinha a sua própria empresa, nunca tirou férias. Ou melhor, nunca foi de férias. Ficou sempre por casa, durante o mês de agosto, sem horário para trabalhar, mas também sem horário para resolver problemas, dele e dos outros. Estava perto da praia, mas não ia à praia, o que me fazia muita confusão a mim, que vinha do interior de propósito para passar férias perto do mar.

O meu avô reformou-se aos 90 anos e quase oito anos depois parece que preferia ter continuado a trabalhar: não lhe doi nada, só o chateia estar sem nada para fazer.

Sempre foi um avô um pouco distante, sempre a trabalhar, sempre a pensar no trabalho, sempre a ver as notícias ou a ler os jornais, aparentemente com pouca paciência ou jeito para netos. Um avô duro como as rochas do mar do Minho e da Galiza. E uma força da natureza.

Agora derrete-se com o bisneto. E está sentimental. Deu-me um abraço e um beijo como nunca tinha dado. Como nunca ninguém me deu. Acho até que ficou de lágrimas nos olhos. Pediu para voltarmos amanhã, e amanhã lá estaremos.

Nem me lembro bem de lhe dar beijos quando era pequena. Aquela figura rude de patriarca intimidava-me um pouco. É o único avô que me resta. É o único avô (bisavô, na verdade) do meu filho. Todos os outros, mais novos, já cá não estão.

Este abraço de corpo e alma foi de amor. Até porque mo deu a mim e ao meu companheiro de vida, que nunca tratou de forma diferente por não ser o meu marido. Abraçou-nos aos dois como quem diz gosto de vocês. Uma coisa assim não se esquece. Faz é esquecer tudo o que tinhamos pensado até então. E lembra-nos que, no fim das contas, é de amor (e saúde, e companhia, e mimo) que todos precisamos.

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